"QUEM SUA LUTA CONTINUA, POR PÃO, TERRA E TRABALHO, SENDO UM PAÍS QUE TEM ISSO, TEM LIBERDADE"
“Mas
luz, e flor, e povo, e canto responderão “presente”, chegada a primavera mesmo
que tardia!”
ANA MONTENEGRO - ⍟13/04/1915 –
⧾30/03/2006
Em 30 de março de 2006 calava-se uma voz
carregada historicamente de luta e perseguição política, morre por causas
naturais Ana Montenegro, aos seus 90 anos.
Militante comunista, viveu no século XX
uma história intensa de luta contra a sociedade de classes, a favor da
Democracia, do direito das mulheres, do povo e das terras.
Co-fundadora do periódico "Movimento
Feminino" participou da União Democrática de Mulheres da Bahia, Comitê
Feminino pró Democracia, Liga Feminina da Guanabara e a Federação Brasileira de
Mulheres.
Mesmo sendo a primeira mulher exilada,
continuou sua trajetória política. Durante o exilio tornou-se membro da
comissão da América Latina pela Federação Democrática Internacional de
Mulheres, assim como trabalhou em organismos internacionais, como a UNO e a
UNESCO.
Com a anistia brasileira em 1979, Ana
retorna ao Brasil e se instala em Salvador, integrando a direção do PCB e
lutando pelos direitos humanos e da mulher. Mesmo com o fim da antiga União
Soviética, Ana não se abalou e manteve seus conceitos. Teve importante
participação no Movimento Nacional em Defesa do PCB, e permaneceu no partido
até seu falecimento, em 2006.
Defensora árdua dos Direitos Humanos,
Ana Montenegro foi também assessora da Ordem dos Advogados e em 2005 foi
indicada ao Prêmio Nobel da Paz.
Já próximo a sua morte ainda se fazia
presente na luta, afirmando: "Que sua luta continua, por pão, terra e
trabalho, sendo que um país que tem isso, tem liberdade".
Em sua homenagem, reconhecendo a
guerreira que Ana foi, militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) fundam
o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro.
Ana Montenegro, com a sua presença, marcou as lutas
feministas e populares do final do século XX. A partir do seu retorno do
exílio, atuou primeiramente, no Fórum de Mulheres de Salvador e, depois, no
Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (1985/1989). Tinha como prática
constante se dirigir, sempre às tardes, para a sede da OAB – em Salvador – para
ajudar nas tarefas da Comissão de Direitos humanos. Foi homenageada em um
congresso nacional da OAB, indicada ao Nobel da Paz e recebeu diversas homenagens
e comendas de instituições nacionais.
Uma das suas mais firmes convicções era a tarefa de lutar contra a destruição
do PCB, tentativa realizada pelo grupo dirigido pelo deputado Roberto Freire.
Travou o bom combate, com força e determinação, lutou em defesa do socialismo e
da revolução brasileira. Com seu patrimônio político e intelectual deu uma
enorme contribuição ao processo de “reconstrução revolucionária” do PCB.
Ana
Montenegro, exilada política, separada e mãe de dois filhos, teve um deles
(Miguel) morto durante o exílio. Ela faleceu em 30 de março de 2006, em seu
enterro o povo, as mulheres simples, o mundo político e intelectual e seus
camaradas encheram o salão para um ato político da mais bela homenagem. Seu
caixão ao baixar para a cremação estava coberto com a bandeira vermelha do PCB,
marcada com a foice e o martelo da luta dos trabalhadores do campo e da cidade,
na terra que escolheu como sua: Salvador.
Publicou diversos livros: Mulheres – participação nas
lutas populares, Uma história de lutas, Ser ou não ser feminista e Tempos de
Exílio.
Ana Montenegro atuou na área do direito, foi ativa jornalista, desenvolveu
intensa pesquisa histórica sobre os movimentos populares e suas lutas de
contestação. Sendo também poetisa, lembre-se do poema que fez em Berlim, no
outono de 1969, quando do assassinato do seu amigo e camarada, Carlos
Marighella:
Em seu enterro não havia velas:
Como acendê-las, sem a luz do dia?
Em seu enterro não havia flores:
Onde colhê-las, nessa manha fria?
Em seu enterro não havia povo:
Como encontrá-lo, nessa rua vazia?
Em seu enterro não havia gestos:
Parada inerte a minha mão jazia.
Em seu enterro não havia vozes:
Sob censura estavam as salmodias.
Mas luz, e flor, e povo, e canto
responderão “presente”, chegada
a primavera mesmo que tardia!
Ana Montenegro, presente!
Fonte: Coletivo
Feminista Classista Ana Montenegro
A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES É CENTRAL NA ESPIRITUALIDADE - Uma pesquisa sobre a violência contra mulheres no Brasil concluiu que
mais de 500 foram agredidas fisicamente a cada hora em 2018. E na maioria dos
casos, por pessoas conhecidas. Em 2018, segundo um levantamento do Datafolha,
encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 16 milhões de mulheres
acima de 16 anos sofreram algum tipo de violência.
(Imagem: FMFi - Fórum de Mulheres no Fisco)
“Não é possível uma espiritualidade, que é o auge
da humanidade de cada um e de todo o povo, se a questão da violência contra a
mulher não estiver no centro.”
Segundo os dados do Ministério da
Saúde compilados pelo Atlas da Violência, lançado na quarta-feira pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, foram registrados 4.936 assassinatos de mulheres em 2017. É
uma média de 13 homicídios por dia, o maior número em uma década -no ano
seguinte ao golpe de Estado contra Dilma Roussef.
Vivemos uma epidemia de violência contra as mulheres: 22 milhões (37,1%) de
brasileiras passam por algum tipo de assédio anualmente.
76% das mulheres vítimas de violência contam que conheciam o agressor: o
marido, um ex-namorado, um vizinho. E quando perguntadas o que fizeram depois
da agressão, mais da metade respondeu: nada - sequer chamou polícia.
Estamos diante do fato de que mais de ⅓ do país sofre violência reiterada ano a
ano. Este número é ainda maior se a eles somarmos os casos de violência contra
indígenas, pretos, jovens das periferias, população LGBTI +. É um fato: pelo
menos metade do país sofre violência continuada.
Portanto, não estamos diante de “minorias” ou de questões, que, sob o nome de
identitárias, são lidas como menores, de grupos com interesses específicos. A
violência contra os mais frágeis e especialmente contra as mulheres é algo que
inviabiliza o país.
Mas é ainda mais grave: esta violência inviabiliza nossa humanidade, se não nos
levantarmos contra ela.
Testemunhei na última sexta-feira (31/01/2020) um ato inominável de violência
contra uma mulher, numa delegacia de Bertioga. É exemplar do que acontece com
milhões de mulheres no país.
Fonte: Paz e Bem - 03/01/2020 - Youtube
UMA VISITA AO INFERNO FEMININO -
ALERTA DE GATILHO: Violência Doméstica e
Policial Contra Mulher - via Mauro Lopes
(Foto: Divulgação no
Blog Brasil 247)
Um relato contundente sobre a
brutalidade machista que se abate sobre as mulheres:
Em minha última noite em Bertioga,
nesta sexta (31/01/2020), antes de partir pra São Paulo, fui a um
bar-restaurante com alguns poucos e queridos amigos. Estávamos bebendo e
comendo quando uma garçonete chegou ao meu ouvido e disse: “acho que a
bicicleta do senhor foi roubada”. Saí às pressas e uns homens que estavam na
frente do bar levantaram-se assim que eu disse que era o dono da bicicleta e
gritaram: “nosso amigo foi atrás dele”.
Numa cena meio ridícula saímos meio andando meio correndo atrás do ladrão e do
amigo. Ao tropel juntou-se uma viatura da GCM que passou à frente e dois
quarteirões adiante pegou o sujeito, que estava alterado e caiu sobre a
bicicleta, que estava com uma corrente e cadeado, o que o obrigava a
carregá-la,
Resultado: fui, a contragosto, à delegacia. Uns 15 minutos depois de eu ter
chegado, como que abriram-se as portas do inferno. Uma mulher chegou aos
prantos, agredida pelo marido, que estava junto. Ela chamara a PM. Nem sei
dizer se foi um acerto.
O que ela vivenciou de humilhação em pouco mais de uma hora ali beira o
inacreditável. Os PMs trataram o caso como “agressão mútua” e não como o que
evidentemente o era, uma agressão à mulher.
Ela saiu para conversar com um dos PMs e voltou chorando ainda mais, em
silêncio. Uma mulher grande, corpulenta, de uns 40 anos. Até que ela se
levantou e me dei conta que estávamos numa sala em que havia dez homens hostis
e uma mulher desprotegida, à mercê do machismo mais brutal.
Os dois policiais da GCM, três policiais da delegacia, os dois PMs, um homem
que parecia ser um policial e descobri depois ser um advogado, o marido
agressor e eu.
Ao se levantar, a mulher chamou o escrivão, que construía o BO. Ele sequer
levantou a cabeça. O PM, de maneira ríspida, disse a ela: “Se você quiser, fale
comigo”. Ela ficou indignada, exasperada.
E começou a falar a ninguém e a todos: “Eu estou cagada, cagada de tanto medo
que tive, e essa delegacia não tem um banheiro feminino pra me oferecer”. Isso
chorando muito. Pois a resposta foi o silêncio dos dez. Nada. Nenhum banheiro
lhe for ofertado -e com certeza havia um banheiro dos policiais em condições minimamente
razoáveis do lado interno do prédio. Nada. Um silêncio sepulcral, entrecortado
pelo choro dela.
Na sequência, ela dirigiu-se ao escrivão: “Escrivão, eu quero uma medida
protetiva”. Ele olhou para ela com ar cínico e, afinando a voz, respondeu: “Eu
também quero”. E o assunto morreu ali.
(o marido agressor passou o tempo todo na delegacia com ar de indiferença, como
se o assunto não lhe dissesse respeito. houve um único momento em que sua fúria
transpareceu: quando ela pediu a medida protetiva. Ele reagiu remexendo-se no
banco como se tivesse sido atingido por algo e soltou um ruído como um apito da
panela de pressão. Essa parece ser uma característica comum aos agressores:
eles ficam enfurecidos quando a mera hipótese da medida protetiva é aventada
pelas mulheres. Tomam como uma afronta, um desafio à sua masculinidade e à sua
imagens de “bons maridos” -e tornam-se mortalmente perigosos, como as mulheres
sabem bem)
Ela insistiu, diante da indiferença hostil do escrivão: “Eu quero falar com o delegado”.
E o policial: “Ele está cuidando de outro caso, não pode falar”. O assunto
morreu na hora, como morrera o da medida protetiva.
Quando lhe foi apresentado o BO para ela assinar, ela afirmou, à beira do
desespero: “Mas não foi isso o que aconteceu”. O PM retrucou: “Isso é o meu
relato, depois no processo a senhora dá a sua versão”.
Achei que todos os limites tinham sido ultrapassados. Ela ficou inerte diante
do texto. Saí rapidamente ao pátio, liguei pra duas amigas advogadas. A
segunda, D., atendeu-me. Disse: “Olha, tudo isso que estão fazendo é ilegal mas
usual. Quanto ao BO, diga pra ela assinar e escrever embaixo: “não concordo” e
assinar de novo”.
Voltei pra dentro para falar com ela. Quando comecei a falar o escrivão, que
estava de pé colocando as folhas do BO diante dela para que assinasse reagiu
agressivamente: “O senhor não pode falar com ela”.
(Imagem: FMFi - Fórum de Mulheres no Fisco)
Eu fiquei surpreso. “Como assim, não posso? Quem disse que não posso?”
“O senhor vem na minha casa e quer fazer o que quer?”
“Olha, aqui não é sua casa. Isso aqui é um prédio público, ela é uma mulher
livre, eu sou um homem livre e podemos falar sim”.
“Se quiser falar com ela, vá lá fora”
Nesta altura ele estava enfurecido e fez menção de sair de trás do balcão. Meu
amigo I. tinha aparecido. Ele é casado com a C., advogada, moram em Santos.
Ligamos pra ela que me confirmou que era tudo um absurdo sem tamanho e
reafirmou o que D. havia dito em relação ao BO.
Entrei com o celular na mão e já anunciei ao policial que quem ia falar com ela
era uma advogada. O sujeito ficou mudo, com olhar de ódio. No viva voz, ela
transmitiu a orientação à mulher.
Ela estava exausta, completamente sem forças. Disse que tem uma irmã advogada e
que iria falar com ela depois.
Outro policial indicou o lugar para o exame do corpo de delito, no Guarujá e
informou: “vá na segunda-feira”. Fiquei chocado. O que um exame constatará na
segunda, mais de dois dias depois das agressões?
A mulher recolheu suas coisas e saiu. Nessa altura, o marido já havia deixado a
delegacia, há uns 15 minutos.
Quando chegamos à calçada, ela continuava a chorar. Afastei-me um minuto pra
conversar com um dos GCMs e, depois, I. disse-me: “Mauro, você não vai
acreditar, o marido ligou no celular dela e disse que se ela voltar pra casa
hoje ele mata ela”.
Ela, ainda chorando, disse que iria de Uber até a casa dela, que pegaria o
carro que fica na rua e que dormiria pela cidade, dentro do carro.
E foi, dois minutos depois. Eu estava tão abalado que nem perguntei o nome
dela.
Voltei para dentro da delegacia. Pouco depois chegou o Inácio relatando que o
escrivão havia pressionado os dois GCMs a “fazerem um BO” contra mim, o que ele
se recusaram a fazer.
Na volta à delegacia, cruzei com o advogado que lá estava e testemunhou tudo:
“Fui policial aqui 15 anos. Você não faz ideia do que as mulheres passam aqui.
Tudo o que você falou lá dentro estava juridicamente correto”. E foi-se.
Os dois GCMs procuraram-me para dizer
que tudo o que havia acontecido era um absurdo.
A pergunta que fica é: porque os
homens silenciam, cúmplices, mesmo não concordando. Porque ficamos os oito em
silêncio enquanto o policial a humilhava e o marido agressor tudo assistia de
camarote? A rede de silêncio cúmplice sustenta as agressões continuadas. Sim,
em nossa quietude, pode ser que cada um de nós homens estivéssemos internamente
revoltados com o que acontecia. Mas nosso silêncio de chumbo era apoio aos
agressores (o marido e o policial) e isolamento completo da mulher, que se
sentia, com toda razão, sozinha.
No silêncio da maioria dos homens está o ambiente que propicia as agressões,
abusos, humilhações. Questionei-me logo depois de tudo, e ainda agora
pergunto-me: porque demorei tanto a me levantar e confrontar o agressor?
Uma outra questão, que me foi suscitada por uma mulher igualmente agredida. “A
mulher foi espancada, humilhada e, ao final, nem casa pra voltar tinha mais,
ameaçada de morte pelo agressor. Qual seria o impacto sobre a postura da mulher
se ela fosse ouvida, olhada nos olhos com respeito e tivesse sido conferida
credibilidade ao testemunho dela? Qual seria o desfecho da história naquela
noite se o policial colocasse o agressor em seu devido lugar de agressor? Isso
não poderia frear a ameaça seguinte que ela recebeu? Porque no final quem ficou
na rua e com medo foi ela e o agressor totalmente apoiado foi pra casa”. Sim,
se os policiais tivessem feito o que seria seu dever: era um caso de agressão
machista, e o círculo de homens ao redor dela não tivesse silenciado, o marido
agressor não teria ido embora sentindo-se “entre os seus”, apoiado. A violência
do agressor foi legitimada e sustentada! Como teria sido diferente! Se tivessem
detido o homem em flagrante, a mulher teria podido voltar para casa, lavar-se,
dormir, refletir, falar com a advogada, tomar decisões. Teria um ou dois dias
para respirar. Mas, não. A ela foi negado o direito de respirar.
Voltei ao restaurante de bicicleta chorando todo o tempo, por tudo, pela mulher
da delegacia, pelas mulheres que conheço e foram ou ainda são agredidas
cruelmente. Lá cheguei e chorei. Uma amiga da mesa disse-me que havia
acontecido o mesmo quando ela acompanhou uma vizinha agredida e que ela sofreu
ameaças todas as vezes em que falou. Outra mulher, integrante do Conseg
(Conselho de Segurança municipal), relatou ter sido ameaçada numa delegacia.
É assim o tempo todo, em todo canto.
Mulheres ameaçadas, amassadas, agredidas, morta.
É preciso que os homens dispostos a mudar e acolher a vida interroguem-se de
maneira aguda sobre seu machismo e entendam que a liderança não nos cabe, mas
às mulheres. Elas devem nos dizer o que fazer e como fazer.
Que os homens dispostos a combater o machismo rompam com o círculo de ferro do
silêncio. Há uma epidemia de agressões contra as mulheres. É um assunto tão
relevante como nível de emprego ou as aposentadorias. Na verdade, é mais
relevante, porque metade do país, de um jeito ou outro, vive no inferno. (Mauro
Lopes) 😒O
inferno feminino.